Cemitério de Missionários
Uma análise do
não-ambiente missionário da grande maioria de nossas igrejas e lares
Por João Luiz Santiago
Li há meses o relato de um missionário discorrendo sobre
as dificuldades de seu ministério na Ásia. Ele atua num país islâmico que,
apesar de não completamente fechado ao evangelho, há muitas desistências de
obreiros em face das dificuldades encontradas. A região é considerada, em meios
missionários, como “cemitério de
obreiros” ou “cemitério de
missionários”. Sabe-se também de realidades semelhantes em alguns países da
América Latina.
Que interessante isso, denominarmos uma região ou área
ministerial como “cemitério de missionários” devido às agruras e dificuldades
do trabalho. É assim denominada porque muitos obreiros voltam prematuramente do
campo, como que mortificando, assim, sua vocação ministerial missionária
naquele lugar.
Realmente, a falta de frutos, perseguições, antipatias
variadas, sacrifícios pessoais e familiares, etc. são elementos de desânimo e
retorno prematuro do campo.
Motivado por isso, gostaria aqui de fazer uma reflexão a
respeito.
Entre os indígenas das selvas amazônicas há uma experiência
assemelhada, eu diria. Por exemplo, nossos filhos, em nossa experiência
ministerial, e de muitos colegas que atuam entre povos indígenas isolados,
deixaram de ter o convívio dos parentes, encontros familiares, datas especiais,
etc. Nova língua (aliás, duas em nosso caso), cultura (idem), etc. foram
desafios no norte do Brasil para nossa família, com uma diferença: sem os
confortos de uma cidade e seus recursos e entretenimentos, mas em duas casas
isoladas. Uma totalmente de madeira, fincada, literalmente, no meio da selva (1
hora e 15 min. de vôo da cidade sede da Missão!), e a outra de pau-a-pique
(feita de madeira, barro e areia) nas frias serras ao lado do Monte Roraima.
Naquela, água só do rio ou da chuva e, nesta, do poço. Banho? no rio ou de chubalde…
Privações e vida simples foram comuns para nossa família,
assim como o é para muitos missionários entre povos indígenas do Brasil, por
exemplo. Obviamente, há também muitas vezes certas animosidades por parte do
povo alvo, assim como perseguições variadas em suas sutilezas e metodologias
oriundas de ONGs de “defesa dos direitos humanos”, órgãos oficiais e outros
interesses bastante fortes como os de garimpeiros, madeireiros, fazendeiros,
grileiros, etc.
Infelizmente, eu e minha esposa não pudemos ver de forma
mais clara, enquanto no campo, o resultado do trabalho de nossas mãos. Outros
colegas colheram e estão colhendo, o que outrora fora semeado, o que nos causa
grande alegria. Que maravilha ouvirmos de muitos obreiros atuais que estão
batizando aqueles que têm entregado suas vidas a Jesus; eu não tive o
privilégio de batizar nenhum dos indígenas com os quais trabalhei por 14 anos.
Louvado seja o Senhor!!! Aleluias pelo que tem acontecido atualmente, e já há
alguns anos.
Pois é, essa é a realidade; é o ministério missionário
entre indígenas amazônicos: sacrifícios, isolamento, perseguições, privações,
comidas diferentes, insetos, animais peçonhentos, malária, rios encachoeirados,
perigos mil… Tudo isso é parte do dia-a-dia de obreiros nas selvas. É inerente
ao ministério, pura e simplesmente.
Mas espere! Na verdade, que sacrifícios são estes
comparados aos pioneiros que desbravaram há cinquenta, setenta anos atrás
aquelas selvas, se embrenhando por elas? Que sacrifícios são estes comparados
ao esvaziamento de Jesus quando veio e habitou entre nós???
A expressão, “cemitério de missionários” é mais uma
daquelas expressões que em nada contribui para o reino ou para novos
missionários se juntarem à tarefa, seja em que campo de atuação for. Conheci obreiros que trabalharam com povos
indígenas e que saíram do trabalho frustrados, tristes, desanimados, etc. e nem
por isso há um cemitério de missionários nas selvas amazônicas. Aliás,
considerando o ministério entre os indígenas do Brasil, especialmente da região
da Amazônia Legal, poderíamos tomar emprestada esta expressão para fazer
referência às dificuldades, limitações, sacrifícios e outras muitas palavras
que descrevem os contextos ministeriais adversos entre esses povos que ali
vivem. Mas isso seria bobagem!
A expressão
“cemitério de missionários” para que serve??? Serve apenas para o
contraproducente, o repelir novos obreiros; serve apenas para afagar a auto
comiseração de muitos obreiros, ou o ego de missionários “Indiana Jones” às
avessas. Bobagem!
Os cemitérios de missionários, se é que vamos usar tal
expressão sensacionalista, estão muito longe dos campos onde os obreiros atuam,
seja em que continente for. Cemitério de
missionários são púlpitos estéreis de desafios missionários. São púlpitos covardes
que não confrontam os membros da igreja para o envolvimento em missões. Isto
sim, poderíamos chamar de cemitério de missionários.
Cemitério de
missionários são pais egoístas que não liberam seus filhos e filhas para o
serviço de Deus. Cemitério de missionários são pastores pequenos, fracos,
covardes que não são capazes de abrir a Palavra e afirmar “… assim diz o
Senhor…” sobre a necessidade de mais obreiros transculturais.
Cemitério de
missionários são escolas de formação teológica onde a teologia é motivo de
afastamento dos futuros formandos dos campos. É sabido, e tristemente atestado,
que muitos alunos iniciantes sofrem de um acentuado arrefecimento de sua visão
e vocação ministeriais missionárias à medida que avançam em seus estudos
teológicos. São alvos (eu diria, vítimas) de professores que atribuem à
teologia, ou a carreira ministerial, como ascensão acadêmico-social, um quase
“plano de carreira academicista”. Por esta razão muitos egressos dessas escolas
nem pensam em sair de um grande ou médio centro para plantação de igreja em
regiões necessitadas. Nem mesmo pastorear um grupo menor ou mais afastado.
Missões de ponta de lança? Nem pensar em tal coisa!!! São obreiros nati-mortos
em termos missionários; isto, sim, é cemitério de missionários.
Que coisa triste, lamentável mesmo pois, quem é a “mãe da
teologia” senão a revelação e comunicação de Deus a nós (missões!), que
justamente é o objeto da teologia?!
É lamentável
também vermos igrejas que têm um potencial enorme para suprirem os campos
missionários com seus rapazes e moças, mas que se contam nos dedos, quando
muito, os que dali saíram para os “…campos brancos para a ceifa”.
Não é pequeno o
número de pastores que não conseguem ver além do reino sectário de sua igreja e
ou denominação. Há muitos pastores que conseguem motivar os seus jovens para
carreiras profissionais, apoiá-los em seus cursinhos e faculdades, orar por
eles ao serem aprovados no vestibular ou quando vão morar em outra cidade,
estado ou país distantes. Mas não os motivam à carreira ministerial. Para esta
última, há uma série de exigências a serem cumpridas para que tenham a
aprovação da liderança. Exigências estas muitas vezes absurdas.
Líderes que agem
como se fossem os donos da vocação ou do chamado de Deus para suas ovelhas; que
tristeza!
Enquanto tal
ocorre muitos jovens são arrefecidos em seu entendimento do serviço a Deus.
Muitos nem mesmo ouvem de seus líderes, seja do púlpito ou em conversas
pessoais, sobre a necessidade de exposição do evangelho entre os povos ainda
não alcançados. Não são despertados para a verdade que o alcance desses povos
depende do desprendimento de rapazes e moças que se lancem, depois de bem
preparados, ao campo missionário.
E o que dizer de
pais que projetam nos filhos seus sonhos frustrados de outrora?! Em
consequência disso, só conseguem vislumbrar uma carreira secular promissora
para seus filhos. Carreira esta que produzirá ganhos materiais e estabilidade
financeira, pois não admitem seus filhos como obreiros do Senhor, missionários
onde Deus os quiser conduzir. Muitos até mesmo querem fazer dos seus filhos
esteios de sua velhice, onde a segurança futura é depositada no bom sucesso de
suas crias.
Que desperdício
de juventude, criatividade, vigor, inteligência, etc. se observa quando os pais
não admitem que seus filhos sirvam ao Senhor. Muitos consideram isso até mesmo
vexatório, humilhante, atestado de incapacidade. “Meu filho, obreiro do Senhor,
missionário??? De forma alguma! Ele será alguém na vida”, é a afirmação,
normalmente não verbalizada, mas algumas vezes, sim, de muitos pais.
Quanta
marginalização por parte de pais egoístas que não conseguem ser motivadores
para que seus filhos encontrem plena realização no serviço do Mestre, na obra
missionária.
Sim, há muitos
cemitérios de missionários em muitos lares de pais crentes, mas que pouco
confiam no Senhor para a condução e direção dos seus filhos.
Infelizmente, há
dois tipos de pessoas que os jovens que desejam servir ao Senhor encontrarão
dificuldades de darem cabo de sua vocação e decisão de servirem no campo
missionário: os pastores e os pais. Estes por seus, basicamente, egoísmos e
medos de deixarem Deus conduzir seus filhos. Aqueles por terem uma visão
medíocre e, não raras vezes, orgulhosa, a tal ponto de se constituírem nos
donos da vocação de suas jovens ovelhas.
Precisamos,
obviamente, reverter este triste quadro, tanto o pastoral/eclesiástico quando o
paterno/familiar. A obra missionária que está diante de nós não comporta
pensamentos e atitudes tão pouco visionárias, egoístas e medíocres. A obra
missionária a ser feita só poderá efetivamente acontecer com nova mão de obra.
E esta se encontra exatamente dentro de nossos lares e de nossas igrejas.
Ser um
engenheiro, médico, advogado, dentista, militar, etc. qualquer um pode ser e
desempenhar uma ótima profissão, com testemunho relevante no tecido social onde
trabalhará. Mas um obreiro de Deus, um missionário de dedicação exclusiva ao
serviço do Senhor, é tarefa apenas para aquele que persistentemente assim
decidir e lutar. Que não se conforma com o cemitério que há ao redor de si, em
sua igreja e ou lar.
Estes lutarão e
insistirão já em sua própria casa e igreja, pois são, geralmente, nesses
ambientes onde encontrarão as primeiras e mais fortes contrariedades para
prosseguir.
Muitos pastores
e pais, em flagrante reflexo de falta de visão e compromisso sério e visionário
com Deus, serão os primeiros a tentarem (e muitos o conseguirão) demover suas
ovelhas e filhos dessa “loucura” de querer ser missionários.
Nossa família, filhos e nossas ovelhas são instrumentos
do Senhor para o alcance dos perdidos sem o conhecimento de Deus. Mas para que
nós, pais e pastores, saibamos conduzir tais instrumentos a efetividade
ministerial, necessitamos usar mais adequadamente a autoridade que o Senhor nos
delegou. Usá-la com visão larga e aberta das necessidades e oportunidades do
campo missionário. Usá-la debaixo da dependência do Senhor desses campos e do
Seu desejo em alcançá-los. Usá-la de forma menos egoísta e marginal, a fim de
que nossas ovelhas e filhos vejam em nós o entendimento de serem eles a
resposta de Deus aos campos.
Queridos,
precisamos abrir mão dessa potencial mão-de-obra; precisamos dar direcionamento
bíblico abalizado a ela; precisamos ser melhores mordomos das ovelhas de nossas
igrejas e filhos de nossos lares.
Não podemos ser
pás que trabalham com a morte num cemitério de missionários em nossas igrejas e
lares.
Que sejamos aqueles que trabalham com a “puericultura
missionária”. Aqueles que promovem e asseguram o nascimento e o desenvolvimento
de visões saudáveis naqueles que o Senhor nos deu a liderar.
Que O Senhor nos ajude. E Ele assim quer!
Juntos com Jesus, o Missionário por excelência,
João Luiz Santiago
João Luiz e sua esposa Denise são missionários da MEVA
Trabalharam 14 anos entre os yanomamis e macuxis, no
estado de RR
Atualmente coordena o Dpto. de Missões do SBPV
Sua filha, Lara Luíza, com seu marido, André, se preparam
para a obra
Um abraço a todos!
Marconi
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